Mais ágeis. Mais fortes e, sobretudo, mais inteligentes. Pela primeira vez, a ciência conseguiu provar que o exercício físico aumenta a capacidade cerebral e pode ser uma arma no combate à doença de Alzheimer. Mas ainda não foi inventado o «comprimido para fazer ginástica». Por isso, mexa-se!
O cliché do atleta idiota nunca pareceu justo a Charles Hillman. Sendo ele próprio um atleta, joga hóquei no gelo quatro vezes por semana e quando não está a interceptar os seus adversários, está a dar à sua mente um exercício semelhante no laboratório de Neurociência e Cinesiologia na Universidade do Illinois, nos Estados Unidos. Na sua cadeira, quase todos os semestres, segundo diz, a equipa feminina de corta-mato tinha melhores resultados nos exames. Por essa razão, começou a interrogar-se se não haveria uma ligação vital e até agora negligenciada entre músculos e miolos. Com a ajuda de colegas, reuniu 259 alunos do terceiro e do quinto ano, mediu o seu índice de massa corporal e pô-los a fazer exercícios clássicos de Educação Física: alongamentos, corrida rápida, flexões e abdominais cronometrados. Depois, comparou as capacidades físicas com as notas em Matemática e em Interpretação num exame normalizado a nível nacional. Como previsto, na globalidade, os jovens com mais preparação física eram também os que apresentavam maior desenvolvimento intelectual, mesmo quando factores como o estatuto socioeconómico eram tidos em conta. O desporto, concluiu Hillman, pode de facto estimular o intelecto dos estudantes.
O estudo de Hillman faz parte de um movimento científico recente e em rápido crescimento que defende que o exercício físico pode tomar as pessoas mais inteligentes. No final do mês passado, numa comunicação que já é uma referência, alguns investigadores anunciaram que tinham induzido o cérebro humano a produzir novas células nervosas, processo que durante décadas se julgara impossível, ao sujeitarem durante três meses um grupo de pessoas a um regime vigoroso de exercícios aeróbicos. Outros cientistas descobriram que o exercício físico enérgico pode levar as células nervosas mais velhas a formar teias interligadas que fazem o cérebro funcionar com maior velocidade e eficácia. E há indícios de que a actividade física pode protelar o início da doença de Alzheimer, do TDAH (Transtorno do défice de atenção com hiperactividade) e de outras doenças cognitivas. Segundo parece, qualquer que seja a nossa idade, um corpo activo é crucial para manter uma mente forte e ágil.
Os cientistas sempre suspeitaram disso, embora não o conseguissem provar. A ideia do «atletaacadémico» remonta à cultura da Grécia antiga, onde «a boa forma física era quase tão importante como o conhecimento», diz John Ratey, psiquiatra de Harvard. Os gregos eram obcecados pela «ligação corpomente». E talvez tenham intuído o princípio básico de que o exercício ajuda o coração a bombear mais sangue para o cérebro, juntamente com o resto do corpo. Mais sangue significa mais oxigénio e portanto células cerebrais mais bem alimentadas. Durante décadas essa foi a única ligação entre destreza atlética e mental que a ciência conseguiu demonstrar com algum grau de certeza.
Contudo, munidos agora de instrumentos de imagiologia cerebral e de um entendimento sofisticado da bioquímica, os investigadores compreendem que os efeitos mentais do exercício físico são mais profundos e complexos do que se pensava. O processo inicia-se nos músculos. De cada vez que um bíceps ou quadríceps se contrai e descontrai, liberta substâncias químicas, incluindo uma proteína que entra no cérebro e aí assume o papel do capataz na fábrica de neurotransmissores do organismo. Emite ordens para aumentar a produção de diversas substâncias químicas, incluindo uma chamada factor neurotrófico derivado do cérebro ou BDNF. Ratey, autor do livro Spark: The Revolutionary New Science of Exercise and the Brain, chama a esta molécula o «milagre para o cérebro». «Alimenta quase todas as actividades que levam ao pensamento superior.»
Com exercício regular, o corpo fabrica os seus níveis de BDNF e as células nervosas do cérebro começam a ramificar-se, associando-se e comunicando umas com as outras de novas maneiras. Este é o processo subjacente ao conhecimento: todas as mudanças nas ligações entre as células do cérebro significam um novo facto ou uma nova capacidade que foram apreendidos e armazenados para uso futuro. O BDNF torna esse processo possível A maioria das pessoas mantém geralmente níveis constantes de BDNF quando atinge a idade adulta. Mas ao envelhecerem os seus neurónios começam lentamente a morrer. Até meados da década de 1990, os cientistas pensavam que a perda era permanente. Mas estudos realizados em animais na última década mostraram que a «neurogénese» em diversas partes do cérebro pode ser facilmente induzida pelo exercício. E estudos publicados recentemente na revista «Proceedings of the National Academy of Sciences» estenderam pela primeira vez esse princípio aos seres humanos. Depois de realizarem exercício durante três meses, todos os indivíduos pareciam desenvolver novos neurónios; os que ganharam mais em capacidade cardiovascular também desenvolveram mais células nervosas. «Foi extremamente interessante verificar pela primeira vez este efeito do exercício físico nos seres humanos», diz Scott Small, neurologista do Columbia University Medical Center, que foi co-autor do estudo com o neurobiólogo Fred Gage, do Salk Institute.
O primeiro passo é descobrir exactamente onde é que as novas células cerebrais estão a crescer - e se é uma parte do cérebro que necessita de ser rejuvenescida. Na experiência de Small e Gage, os novos neurónios criados pelo exercício físico surgiram num único lugar: o giro do cíngulo do hipocampo, uma área que controla o conhecimento e a memória (ver infografia, página 54). Esta região, localizada por baixo dos lóbulos, ajuda o cérebro a associar nomes aos rostos - uma das primeiras capacidades a extinguirem-se com a idade. Felizmente, o hipocampo é uma zona que reage especialmente bem aos efeitos do BDNF e o exercício parece recuperá-lo para um estado «mais jovem». «Não se trata apenas de uma questão de retardar o envelhecimento mas de reverter o processo», diz Arthur Kramer, psicólogo da Universidade do Illinois. O trabalho de Kramer também tem implicações no que respeita aos lóbulos frontais, o local do «funcionamento executivo» - um tipo de pensamento superior que envolve o processo de tomada de decisão, execução simultânea de tarefas e planeamento. Com a tecnologia associada à imagiologia, descobriu que o exercício leva a um aumento do tamanho dos lóbulos frontais. E em dezenas de estudos anteriores de homens e mulheres com mais de 60 e de 70 anos, caminhadas rápidas e outros exercícios aeróbicos deram origem a melhorias do funcionamento executivo. Estes indivíduos tiveram melhor desempenho em testes psicológicos, respondendo a perguntas com mais rigor e rapidez. Tanto quanto sabem os cientistas, os novos neurónios não conseguem crescer em todas as zonas do cérebro. Mas as outras regiões beneficiam indirectamente do exercício físico de muitas maneiras. O volume de sangue, tal como o volume do cérebro, aumenta com o exercício, diz Small: «Onde quer que haja o nascimento de células cerebrais, verifica-se o nascimento de novos vasos capilares.» Adultos activos têm menos inflamações cerebrais. «Também têm menos derrames pequenos, que podem prejudicar a capacidade cognitiva sem que a pessoa se aperceba disso», diz a neurocientista Kristine Yaffe, da Universidade da Califórnia em São Francisco. Contudo, outros investigadores descobriram que os atletas têm mais astrócitos ou células que suportam os neurónios e actuam sobre a dispersão dos neurotransrnissores depois destes serem utilizados para enviar mensagens de célula para célula. E mesmo os níveis desses neurotransmissores são mais elevados em pessoas que se exercitam com frequência. «A doparnina, a serotonina ou a norepinefrina - todos apresentam níveis elevados depois de uma sessão de exercício», diz Ratey. «Por isso, fazer exercício ajudará a concentrar-se, a acalmar-se, a controlar a impulsividade - é como tomar um pouquinho de Prozac e outro de Ritalin.» Estes efeitos adicionais aparecem quase de imediato. Se descermos do tapete rolante depois de meia hora de exercício, diz Hillman, «dentro de 48 minutos» o nosso cérebro estará em melhor forma. Mas tal como o peso, a boa forma mental tem que ser trabalhada. Os novos neurónios e as ligações entre eles durarão anos, mas após um mês de inactividade «os aStrócitos voltam a encolher e depois os neurónios também deixam de funcionar tão bem», diz William Greenough, psicólogo da Universidade do Illinois. Deixem o corpo ir, porque depois o cérebro segue-lhe o exemplo. «Se pensa que por se exercitar aos 20 anos isso vai ter efeito sobre o que será aos 70, desengane-se», acrescenta Greenough, o melhor é estar disposto ao compromisso de frequentar o ginásio durante 50 anos. A não ser que se trate de uma criança. Em crianças pequenas os efeitos ainda são mais potentes. Provavelmente, o exercício tem «um efeito mais duradouro sobre cérebros que ainda estão a desenvolver-se», diz Phil Tomporowski, professor de Ciência do Exercício na Universidade da Georgia. Nas crianças, tal como nos adultos, o hipocampo colhe muitos benefícios do exercício físico. Isto não constitui surpresa para pais de filhos com TDAH, muitos dos quais já recorrem à actividade física como substituto ou suplemento de medicamentos. Até cerca dos 20 anos, as crianças não têm os lóbulos frontais totalmente desenvolvidos, por isso «recrutam» outras partes do cérebro para executar as funções necessárias, incluindo as ligadas à aprendizagem. No exame feito por Hillman a alunos dos terceiro e quinto anos de Educação Física, o exercício não acelerou apenas o funcionamento executivo mas uma grande variedade de aptidões, que vão desde a matemática à lógica, passando pela interpretação, todas elas mobilizando muitas zonas do cérebro. «Nas crianças, vemos uma quantidade tremenda de tecido cerebral em crescimento, particularmente no lóbulo frontal», diz Tomporowski.
Com base neste conhecimento, muitos educadores estão agora a pressionar para que seja feita uma reestruturação ao nível da Educação Física nas escolas públicas.
Os professores podem garantir o sucesso dos seus alunos noutras matérias, argumentam eles, fazendo aulas de Educação Física mais longas e mais centradas em exercícios cardiovasculares de reforço cerebral.
Em escolas de Naperville, Illinois, os alunos com fracas aptidões verbais começaram a ter Educação Física imediatamente antes da aula de interpretação. As suas notas, diz Ratey, já começaram a melhorar.
Se as crianças desenvolverem desde cedo o gosto pelo desporto, terão mais propensão para se tornarem adultos activos e assim evitarem um destino com que os seus avós agora se confrontam: um lento deslizar para uma degradação cognitiva que precede a doença de Alzheimer. Segundo o neurocientista Gómez-Pinilla, estudos sugerem que as pessoas que fazem exercício pelo menos algumas vezes por semana tendem a desenvolver Alzheimer menos vezes do que os seus parceiros mais sedentários. Há também pistas ao nível do cérebro: um dos primeiros alvos da doença é o hipocampo. Mais controversa é a suposição de que o exercício pode abrandar a progressão de Alzheimer uma vez declarada. Mas existe uma ponta de esperança, descoberta no estudo de animais. Em ratos que desenvolveram uma doença semelhante à de Alzheimer, formou-se no cérebro um tipo de placa idêntica à encontrada nas pessoas. Carl Cotman, neurologista da Universidade da Califórnia em Irvine, examinou esses ratos em 2005 e descobriu que os que passavam mais tempo a correr nas rodas tinham melhores resultados nos testes de memória. Também apresentavam níveis inferiores de placa no cérebro, possivelmente, diz ele, «porque o exercício os levava a produzir menos placa e a eliminar uma parte dela». Esse facto suscita uma interrogação: se o exercício é um remédio tão bom, será que os cientistas poderão um dia sintetizar os seus efeitos benéficos para o cérebro numa fórmula química - uma espécie de «comprimido para fazer ginástica»? O resultado pode acabar por se parecer com muitos dos medicamentos que os cientistas estão a desenvolver para reforçar a memória em doentes de Alzheimer. Iria certamente atrair também pessoas que não estão dispostas a arrastar-se até ao ginásio dia sim, dia não. «As pessoas não têm força de vontade suficiente», diz Ratey. «Querem ver resultados imediatos e sem perda de tempo e não estão para sofrer em cima de um tapete rolante.» Small, o investigador de Columbia diz que muitos colegas de laboratório começaram a praticar exercício em consequência dos resultados do seu estudo. Mas os cientistas ainda têm muitas perguntas sem resposta. A principal é porque razão algumas formas de exercício afectam muito mais o cérebro do que outras. A maioria dos investigadores centrou-se no exercício aeróbico «e ignorou o treino de resistência», diz Carole Lewis, fisioterapeuta e co-autor do novo livro Age-Defying Fitness. «Estudos que analisaram alongamentos, tonificação e levantamento de pesos descobriram poucos ou nenhuns efeitos sobre a capacidade de cognição.»
Texto de Mary Carmichael. Tradução de Aida Macedo Fonte: Revista Única, pp.50-57, Jornal Expresso de 28 de Abril de 2007 Sobre o investigador Charles Hillman: Ph.D., Cognitive Motor Behavior, University of Maryland at College Park, 2000 Department of Kinesiology and Community Health 213 Louise Freer Hall 906 S. Goodwin Ave. Urbana, IL 61801 Phone:(217) 244-2663 Fax:(217) 244-7322 http://www.kch.uiuc.edu/staff/chhillma.htm